Como Escrever Ficção Histórica: Lições de Charles Todd

Este artigo foi inspirado em uma conversa entre Clay Stafford e Charles Todd, publicada originalmente na Writer's Digest.

ESCRITA CRIATIVA

Raniere Menezes

12/15/20254 min read

Escrever ficção histórica é uma arte delicada. Não se trata apenas de transportar leitores para outra época, mas de fazer com que sintam que estão vivendo aquele momento.

Charles Todd, autor best-seller das séries do Inspetor Ian Rutledge e Bess Crawford, compartilha insights valiosos sobre como transformar pesquisa histórica em narrativas vivas.

O Perigo do Excesso de Informação

Um dos maiores desafios para escritores de ficção histórica é evitar o temido "despejo de informações". Todd é direto sobre isso: escritores iniciantes adoram mostrar tudo o que aprenderam, mas o que torna um mundo real não é uma palestra sobre história, e sim a maneira como os personagens vivem nele.

A solução? Usar diálogos e ações em vez de parágrafos de exposição.

Como ele explica, ao descrever algo tão simples quanto dar partida em um carro antigo, você não precisa explicar todo o processo cada vez, mas também não pode ignorá-lo completamente. O próprio ato indica em que ponto da história você está.

Viva o Momento Enquanto Escreve

Todd revela um segredo fascinante: ele não pensa em seus livros como "históricos". Para ele, os personagens estão vivos e atuantes em seu próprio tempo, tão contemporâneos quanto qualquer história moderna.

Essa mudança de mentalidade é crucial. Quando está escrevendo, Todd vive completamente imerso em 1919 ou 1920. O desafio maior, diz ele, é quando o telefone toca e ele é arrancado daquela época de volta ao mundo moderno. A verdadeira imersão faz a história parecer tão real quanto qualquer coisa do presente.

Detalhes Que Importam

O segredo não está em incluir todos os fatos históricos que você descobriu, mas apenas aqueles que afetam diretamente seus personagens. Escrever sobre pessoas, não sobre manchetes.

Por exemplo, se Agatha Christie desaparece e sua história se passa em Harrogate naquele momento, isso tem lugar no livro. Mas se a história se passa na Cornualha, não tem relevância. O objetivo é evitar transformar o romance em comentário político ou aula de história.

O Lugar Como Personagem

Uma das marcas registradas de Todd é como seus cenários ganham vida própria. Ele compartilha que sempre visita os locais sobre os quais escreve. Northumberland não é como a Cornualha ou as Midlands; cada região tem sua própria história, dialeto e paisagem.

É esse conhecimento de primeira mão que permite criar momentos autênticos: Rutledge entrando em um pub e vendo um cartaz antissubmarino na parede, fazendo o leitor sentir a guerra ainda ecoando naquele ambiente. Todd verificou a existência daquele cartaz, mas não fez um discurso sobre submarinos. Os detalhes falam por si.

Linguagem Autêntica, Mas Legível

Quanto ao dialeto e às expressões da época, Todd tem uma regra simples: moderação. Ele pode incluir algumas gírias ou expressões idiomáticas do período, mas a clareza sempre prevalece.

"Somos contadores de histórias antes de tudo", ele afirma. Se o leitor não consegue entender uma frase porque o dialeto é muito carregado, você perdeu essa pessoa. Use apenas tempero suficiente para sugerir a época e o lugar, nunca o bastante para confundir.

Quando Distorcer os Fatos

Todd admite que distorce fatos históricos o tempo todo, mas com cuidado. Com exceção de seu primeiro livro, ele sempre muda o nome das cidades. Isso lhe dá liberdade para combinar duas aldeias reais ou mudar uma mansão de lugar quando se encaixa melhor na história.

A chave é a plausibilidade. Se não há registros fotográficos do interior de uma delegacia de 1920, ele a cria baseado no que seria apropriado para a época. Quando não há documentação, ninguém pode contradizer você.

Lidando Com Atitudes do Passado

Como abordar crenças ou atitudes sociais que seriam ofensivas hoje? Todd recomenda contenção e contexto. Em vez de fazer julgamentos morais anacrônicos, ele foca em como seus personagens navegam essas questões dentro de sua própria época.

Por exemplo, em uma de suas histórias, Rutledge precisa lidar com a pena capital. Em 1919, era um fato aceito. Todd se concentra na consciência do personagem, em sua necessidade de ter certeza absoluta antes de acusar alguém. Essa é a ponte entre o mundo deles e o nosso.

O Poder da Sugestão

Ao escrever sobre trauma, violência ou guerra, Todd acredita que a sugestão costuma ser mais forte que a descrição gráfica. Em uma de suas histórias, o massacre de uma família é tão brutal que os policiais se recusam a entrar na casa. Ele não precisou mostrar o sangue; bastou descrever os homens parados sob o beiral, relutantes. A imaginação dos leitores faz o resto.

Conselhos Para Quem Está Começando

Para escritores que passam anos pesquisando sem terminar seus romances históricos, Todd tem um recado direto: a diferença entre um escritor e um autor é que um autor termina o livro.

A pesquisa pode se tornar um esconderijo. Você nunca saberá tudo. Termine o livro mesmo assim. O processo de escrever ensina mais do que a pesquisa jamais ensinará. Você pode sempre revisar depois, armado com tudo que aprendeu nos livros seguintes.

Como ele diz: "Você não pode dirigir um carro parado."

O Segredo da Longevidade

Todd escreveu quase 30 livros nas suas séries e o segredo, segundo ele, é a curiosidade. Cada novo livro começa com a pergunta: "O que protagonista ainda não enfrentou?" A história não limita você; ela foca você.

Os limites da época histórica, em vez de restringir, inspiram novas histórias.

A Essência Atemporal

No final das contas, Todd resume tudo em uma frase poderosa: "O passado é apenas o palco. A peça é sempre sobre pessoas."

É isso que faz a ficção histórica transcender sua época. Não se trata de datas e fatos, mas de explorar o que significa ser humano em qualquer tempo. Os detalhes históricos são ferramentas para revelar verdades universais sobre coragem, medo, amor e perda.

Quando você escreve ficção histórica com essa mentalidade, não está apenas recriando o passado. Está trazendo-o para viver, respirar nas páginas do seu livro.

Resumo:

Evitar o excesso de informação ("despejo").

Viver o momento da época ao escrever.

Focar nos detalhes que afetam os personagens.

Tratar o lugar como um personagem vivo.

Usar linguagem autêntica, mas com moderação para legibilidade.

Distorcer fatos (como nomes de cidades) com plausibilidade.

Abordar atitudes do passado com contenção e contexto.

Usar a sugestão para violência ou trauma, não a descrição gráfica.

A peça é sempre sobre pessoas, o passado é apenas o palco.

Evitar Ser Anacrônico

Evitar Transformar o Romance em Aula