Quando escrever deixa de ser mecânica e volta a ser pensamento

O que acontece quando a parte menos interessante do trabalho de escrever passa a ser justamente a mecânica da escrita?

ESCRITA CRIATIVA COM IA

Raniere Menezes

12/16/20252 min read

O que acontece quando a parte menos interessante do trabalho de escrever passa a ser justamente a mecânica da escrita?

Vou simplificar. De um lado, temos um saco cheio de ideias. Do outro, um saco de manuais de estilo, regras gramaticais, revisões e ajustes técnicos. Para muita gente, a melhor parte sempre foi criar, pensar, conectar ideias. Já organizar tudo no papel era o ponto em que muitos textos acabavam engavetados.

Escrevi por décadas sem inteligência artificial. Um texto curto? Tudo bem. Alguns erros? Aceitável. Mas quando o texto era maior, mais elaborado, quase sempre surgia a necessidade de pedir ajuda a amigos para revisar, cortar excessos, ajustar a forma. Esse atrito entre ideia e execução era real.

Acredito que esse problema, em grande parte, foi resolvido.

Hoje, criação e execução podem caminhar juntas, com muito menos fricção. A IA funciona como um acelerador de produção e execução e, em alguns casos, até de criação. Por isso, tanta gente passou a usá-la em todo o processo de escrita. Ao mesmo tempo, há quem queira manter o trabalho totalmente artesanal, exclusivamente humano.

Deixe-me explicar melhor o que estou tentando dizer.

Talvez o erro esteja em enxergar a escrita apenas como criação e execução. Podemos pensá-la também como abstração e concretização. A abstração nasce na mente humana. A concretização pode ser compartilhada com a máquina.

Não vejo o poder de execução da IA como um inimigo do escritor, mas como um aliado. A recusa total em incorporar a IA ao sistema de produção de texto tende a deixar muitos escritores resistentes para trás. Não por falta de talento, mas por apego a um processo que mudou.

A IA ainda está na idade da pedra. Mesmo assim, chegará o dia em que será incorporada de forma tão natural quanto escrever em um computador em vez de uma máquina de escrever. Ainda estamos arranhando a superfície.

Entendo, apoio e pratico a ideia de que as ideias humanas são e continuarão sendo a parte mais importante da escrita. A IA não tem insônia criativa. Nunca teve e nunca terá. Para funcionar bem, ela precisa que o pensamento humano seja verbalizado. Ela não adivinha abstrações.

Quanto mais específico e contextual você for, melhores serão os resultados de execução. A parceria só funciona quando o escritor conduz.

Por isso, não me preocupo com a ideia de que a IA vai substituir o escritor humano. Nem acho que ela nos tornará mais burros, desde que usemos pensamento crítico para guiá-la. Isso pode mudar um dia, se chegarmos a um estágio de superinteligência. Mas esse ainda não é o cenário.

A IA precisa do nosso pensamento para trabalhar bem.

Agora, se na escrita você ama exatamente a parte da execução e da produção, talvez a IA realmente não tenha muita utilidade para você. Você já está onde quer estar. Mesmo que ela pudesse acelerar o processo ou oferecer mais controle, talvez não faça sentido mudar.

No fim, acredito que o bom uso da IA na escrita está em gerar mais opções e manter o controle das decisões nas mãos do humano. A máquina executa. O escritor escolhe.

E é nessa escolha que a escrita continua sendo humana.