Reformados Que Não Reformam: O Paradoxo da Igreja Sempre Reformanda
Protestantes que não protestam, bereanos que não questionam, sal que não salga. É Possível Revisar a Confissão de Fé de Westminster?
REFORMA PROTESTANTE
Raniere Menezes
11/23/202511 min read


Quando os antigos reformadores criaram os slogans históricos da Reforma Protestante e desenvolveram doutrinas essenciais à igreja, eles expressavam uma preocupação genuína com a necessidade de reformas contínuas.
O lema Ecclesia Semper Reformanda Est (a igreja sempre deve ser reformada), junto com os princípios do livre exame e do sacerdócio universal de todos os crentes, representavam muito mais que frases de efeito.
Eram manifestações de um zelo profundo por liberdade interpretativa bíblica e o reconhecimento honesto de que a igreja, como instituição humana, está sujeita a falhas e necessita de reforma constante para se manter fiel aos ensinamentos originais das Sagradas Escrituras.
A Reforma Protestante, em sua essência teológica, foi um retorno à Palavra de Deus. Um movimento de volta constante à Bíblia como única referência segura e palavra final de fé e prática, o princípio do Sola Scriptura.
Os credos e confissões de fé evangélicos foram escritos exatamente para: corrigir distorções e desvios doutrinários, práticas e costumes que ferem os ensinos das Escrituras, e também como defesa da fé. A necessidade de autoexame e renovação da igreja não era opcional, era fundamental.
O DNA da Reforma e a Necessidade de Reformas Contínuas
O DNA da igreja reformada sempre se reformando é o próprio DNA da Confissão de Fé de Westminster (CFW). A necessidade de reforma é original da Reforma, e a Reforma se transformou em reformas até hoje. Não importa se a frase citada é original do século 16 ou do século 20, o princípio permanece: a igreja necessita de reformas constantes. Mas isso não significa mudar de várias maneiras indiscriminadamente.
Há fundamentos doutrinários ao longo da história que são irreformáveis, foram estabelecidos através de ensinos claros e são consequências de debates ao longo dos séculos. Por exemplo: a Bíblia é a Palavra de Deus, não apenas contém, mas é a Palavra de Deus, infalível e imutável. Divindade de Cristo. Trindade.
A própria Confissão de Fé de Westminster, quando finalizada no século XVII, logo se fragmentou em adaptações para outras denominações, alterando alguns pontos como sistemas de governo e batismos. No mesmo período já houve fragmentação circunstancial histórica, não no futuro distante, mas ali mesmo. Isso aconteceu entre congregacionais, batistas e presbiterianos, basicamente com as confissões de Savoy e a Londrina.
Voltando ainda mais no período da grande Reforma no século 16, já havia discussões intensas sobre a Ceia entre Lutero, Zuínglio e outros. A hermenêutica dos seus lideres era o destino das nações.
O movimento da Reforma foi um movimento de reformas, e fatores circunstanciais como região, tempo e liderança tomaram rumos divergentes em parte e convergentes em outros temas.
A vitalidade da fé reformada passa pelo revisionismo, e a própria Confissão defende o revisionismo de calibração bíblica acurada. Não mudar por mudar, mas através das ferramentas hermenêuticas e interpretativas humanas, pela iluminação do Espírito Santo e capacitação de dons à igreja.
A Tensão Entre Fidelidade Confessional e Liberdade de Questionamento
É fato que não há plena liberdade em questionar um padrão de doutrina confessional denominacional para aqueles que aderem aos padrões. Geralmente ao membro cabe seguir o padrão de fé denominacional, até por questão de coerência, ordem e tradição.
As reservas pessoais geralmente acontecem no silêncio. Os líderes não querem demonstrar dúvida ou fraqueza perante a congregação, e a congregação teme questionar algo abertamente. Isso se refere aos padrões aceitos denominacionalmente.
Há “fidelidades e fidelidades”: alguns irão alegar fidelidade a algum padrão subordinado, outros somente às Escrituras. E mesmo assim as interpretações existem e coexistem, abertas ou veladas. Lembrando que é fato histórico a existência de divergências ao longo do tempo. A unidade é algo que merece um estudo desenvolvido especialmente à parte, assim como a importância do alinhamento eclesiástico. Importante para manter igrejas e seitas.
O Processo Histórico de Formação da Ortodoxia
Da reunião apostólica em Atos 15 até o Concílio de Niceia em 325 d.C., temos três séculos de controvérsias entre mestres. Dessas controvérsias surgem debates, polêmicas e cismas.
Por meio destes embates, ao longo do tempo, a ortodoxia se estabelece. O princípio bíblico estabelecido seguro e sólido da necessidade de instrução, exortações e defesa da fé. Assim a igreja combateu o gnosticismo e outras heresias.
Os antigos credos e confissões bíblicos são temporais e atemporais ao mesmo tempo. Têm sua importância circunstancial histórica e também ao longo da história. A Reforma Protestante combateu o papismo com novas formulações confessionais, pois os antigos credos não resolviam esse problema circunstancial.
A identificação nacional das novas igrejas da Reforma contribuiu com a identidade das igrejas locais e nacionais. Além disso, a importância da apologética e o caráter polêmico: o que crer e o que não crer. Praticamente todos os credos e confissões nasceram num contexto de conflitos teológicos. Cessamos os conflitos no século XXI?
As confissões de fé foram erguidas com labor hermenêutico. A hermenêutica é a alma das formulações confessionais. É como a igreja lê as Escrituras. E continua fundamental.
É Possível Revisar a Confissão de Fé de Westminster?
Aqui chegamos à pergunta central: é possível questionar ou revisar a Confissão de Fé de Westminster? Tecnicamente, sim, pois não é um documento inspirado e canônico. Mas por sua robustez, complexidade e tradição, o documento torna-se quase intocável, não-revisionável.
Será que somente uma nova assembleia poderia revisar? Uma Assembleia de Westminster II, tipo Vaticano II? Tecnicamente possível? Independentemente da possibilidade de revisão ou não, podemos questionar: há margem interna na própria Confissão de Fé para revisão, atualização ou releitura? Em que pontos o próprio documento abre portas para isso? E que pressupostos poderiam ser questionados sem alteração ao texto?
Aberturas Internas no Capítulo 1 da Confissão
O capítulo 1 da Confissão de Fé de Westminster admite revisão interna, mesmo que limitada. Embora o capítulo seja rígido na defesa da autoridade e suficiência da Escritura, ele contém pontos que permitem alguma flexibilidade interpretativa.
Aqui não se questiona o cânon das Escrituras Sagradas, mas o documento confessional, que não é canônico.
Primeiro, há uma distinção clara entre autoridade da Escritura e “autoridade” de interpretações. Trechos como as seções VI, VII e IX do capítulo I afirmam que a Escritura é inspirada, mas não é igualmente clara em tudo.
O entendimento depende de iluminação do Espírito, e a interpretação deve ser feita pela própria Escritura. Com essas três definições da própria Confissão, conclui-se que: se nem tudo é igualmente claro e a interpretação é sempre dependente do Espírito, há espaço para revisão interpretativa. É neste ponto que se erguem todos os edifícios teológicos ao longo dos séculos, mesmo antes da Confissão em questão.
A própria Assembleia de Westminster, os intérpretes do século XVII, reconhece que o documento não é o entendimento final sobre todos os textos bíblicos. Em outras palavras: a Confissão fecha a porta para novos textos bíblicos, mas não fecha a porta para novas leituras.
Segundo, há na Confissão o reconhecimento de circunstâncias modificáveis. No trecho VI (CFW-1), a Confissão reconhece que há circunstâncias comuns às ações e sociedades humanas, ordenadas pela luz da natureza e pela prudência cristã. Aqui existe uma abertura explícita para adaptação segundo tempo, cultura e sabedoria cristã. Trata-se de práticas, formas e aplicações.
A interpretação do Cânon está aberta aos textos não claros, mas o Cânon está fechado. Não se pode acrescentar livros ao Livro Sagrado, mas se pode desenvolver interpretações. Isso implica que o documento assume que parte da vida da Igreja depende de elementos revisáveis.
Terceiro, existe uma forte dependência da mediação humana para tradução. Na seção VIII, ela afirma que o hebraico e o grego são os textos autênticos, mas o povo depende de traduções.
Isso é interessante porque significa que toda recepção prática da Escritura é mediada por decisões humanas, o que por si só abre espaço para revisão textual, sem mexer no cânon. Quando alguém lê a Bíblia traduzida, revista, atualizada, lê o trabalho de um intérprete. Aqui não se trata de hermenêutica, mas tradução, mas ambas são frutos de trabalho interpretativo.
Pressupostos Que Podem Ser Questionados
A Confissão de Fé pode ser revista sem quebrar a estrutura interna do primeiro capítulo. Alguns pressupostos específicos.
Primeiro, a noção de que cessaram aqueles antigos modos de revelar Deus. No que se refere ao fechamento do Cânon, sim, nada deve ser acrescentado. Mas em questões interpretativas, Deus não cessou sua comunicação à igreja. Efésios 4:11 declara que Deus mesmo concedeu uns para apóstolos, outros para profetas, outros para evangelistas e outros para pastores e mestres.
Aqui Deus, Cristo, dá mestres à Igreja como dons, uma ação direta dele em favor do corpo de Cristo para edificar, ensinar e manter a Igreja na verdade.
Efésios 4:7-16 mostra isso com clareza: Deus concede dons, entre eles o dom de mestre, para edificar, instruir e amadurecer o povo de Deus. Este texto, junto com João 14 e 16, mostra como biblicamente o Espírito Santo ensina internamente, enquanto a Igreja recebe mestres externamente. Se a Confissão supõe um ensino e não demonstra, então esse ponto pode ser revisado à luz de outras interpretações.
A definição de que o sentido do texto não é múltiplo, mas único. A hermenêutica mostra que um texto bíblico pode ter camadas, pode ter sentido histórico e aplicação tipológica, pode ter significado para o autor original e significado mais amplo no cânon. O questionamento legítimo é: o sentido único pretende negar riqueza interpretativa, ou só quer evitar alegorias arbitrárias? Esse ponto pode ser refinado.
Caminhos Para Uma Revisão Moderada
Seria possível ajustar o Capítulo 1da CFW para permitir revisão moderada? Sim, se o objetivo for permitir um revisionismo honesto, sem romper com o espírito da Confissão. Algumas direções são possíveis.
Podemos clarificar que a pureza dos textos originais da CFW significa preservação substancial, não absoluta. Podemos reconhecer possibilidade de desenvolvimentos hermenêuticos, sem negar a inspiração do texto bíblico. É possível admitir múltiplos níveis de significado, permitir revisões interpretativas baseadas em novos dados linguísticos, arqueológicos ou históricos, e afirmar que iluminações do Espírito podem aprofundar o entendimento, não alterar o cânon.
Foi o que aconteceu com a doutrina da Justificação pela Fé, no século XVI. Havia um entendimento parcial e sufocado da verdade essencial desse ensino. Após a Reforma Protestante o polo inverteu. O texto ficou claro e amplamente compartilhado e aceito.
A própria CFW quando reconhece a utilidade histórica e literária, permite o mesmo juízo sobre si, sobre o documento confessional. Apesar de a própria confissão afirmar sua não canonicidade e subordinação a Escritura, ao longo dos séculos o documento é tratado, muitas vezes, na prática, como intocável. Que é um erro.
Podemos atualizar a linguagem sobre tradução, incluindo responsabilidade acadêmica contínua, revisão de manuscritos e colaboração interdenominacional. E podemos reconhecer explicitamente o papel histórico da Igreja no reconhecimento do cânon, sem atribuir autoridade acima da Escritura.
O Espírito Santo Como Mestre da Igreja
A revelação de que Deus deu o Espírito Santo como mestre ou guia da Igreja aparece claramente em vários textos bíblicos. João 14:26: "Mas o Consolador, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, esse vos ensinará todas as coisas e vos fará lembrar de tudo quanto vos tenho dito." Aqui Jesus diz que o Espírito ensinará, fará lembrar e agirá como guia para os discípulos e para a Igreja.
João 16:13 complementa: "Quando vier, porém, o Espírito da verdade, ele vos guiará a toda a verdade..." O verbo guiar implica exatamente essa função magisterial. Em 1 João 2:20, lemos que "vós possuís unção que vem do Santo, e todos tendes conhecimento." Essa unção é classicamente entendida como obra do Espírito que instrui o povo de Deus.
O versículo seguinte, 1 João 2:27, reforça: "A unção que dele recebestes permanece em vós, e não tendes necessidade de que alguém vos ensine; mas, como a sua unção vos ensina todas as coisas..." Novamente, ensino e direção vindos do Espírito. Romanos 8:14 declara: "Pois todos os que são guiados pelo Espírito de Deus são filhos de Deus." Guiar é papel ativo do Espírito na vida do crente e da Igreja.
Conclusão
Sim, o Capítulo 1 da Confissão de Fé de Westminster possui aberturas internas que podem servir de base para revisão moderada, principalmente nos pontos referentes à interpretação, clareza do texto, papel das circunstâncias culturais, dependência de traduções e reconhecimento da complexidade da mediação humana nas traduções e interpretações.
Não há brecha para rever o cânon ou negar a autoridade da Escritura, mas há espaço claro para revisar interpretações, pressupostos históricos e afirmações que dependem de dados, ferramentas e dedicação nos estudos.
A vitalidade da fé reformada não está em transformar confissões em ídolos intocáveis, mas em manter o espírito reformador que nos trouxe até aqui: sempre reformando, sempre voltando às Escrituras, sempre dependendo da iluminação do Espírito Santo.
Os reformados que não reformam, os protestantes que não protestam, os bereanos que não questionam, tornam-se sal que não salga.
A fidelidade à herança reformada não está em congelar o passado, mas em continuar o trabalho que os reformadores começaram: o constante retorno à Palavra de Deus com humildade, coragem e abertura para que o Espírito Santo continue ensinando sua Igreja.
Muitos Reformados têm uma relação complicada com os Solas. Eles afirmam "Somente a Escritura", mas, na prática, inventam doutrinas e tradições que não estão na Bíblia e as impõem como se fossem. Isso nos faz questionar se eles realmente seguem o "Sola Scriptura".
Pregar TODA ESCRITURA. Crer e amar TODO O CRISTO. Receber e distribuir tudo de graça, incluindo dons do Espírito, profecias e todo tipo de sinais e maravilhas. Praticar tudo pela fé... o que é prometido pela fé? Tudo: cura, prosperidade e todos os tipos de bênçãos que herdamos por meio de Cristo. E finalmente, somente a glória... toda a glória que ele merece.
Alguém pode gritar: Ei! Isso é heresia de um fulano de tal. NÃO. Isso é Bíblia. Até que se prove o contrário. E não vale querer provar com empirismo, achismo e racionalismo não bíblico.
Mudar de opinião sobre os solas não é cancelar os solas, mas não ficar preso na má interpretação.
Somente as Escrituras! Sim! Ela é suficiente e única fonte perfeita da verdade. Ela promete cura, abundância e milagres, promete visões, sonhos e profecias pelo Espírito Santo. Deus não muda o que disse... ninguém pode mudar isso.
Somente a fé! Sim! Pela fé recebemos salvação, cura, vida abundante, o Espírito Santo, com visões, sonhos e profecias. Jesus disse que qualquer pessoa que crê pode realizar milagres... mover montanhas.
Somente a graça! Sim! Graça e poder como está em Atos 4:33, inclusive o poder de realizar maravilhas. A graça que diz que podemos nos aproximar do trono da graça para obter graça que nos ajude em tudo nessa vida. Essa graça precisamos e é a verdade.
Somente Cristo! Sim! A Bíblia diz que Jesus levou sobre si minhas enfermidades e carregou minhas doenças. Esse Jesus que prometeu realizar milagres, e tudo o que pedirmos em seu nome ele fará. O Jesus que enviou o Espírito Santo que traz visões, sonhos, línguas, profecias, poderes. Não existe outro Jesus.
Somente a glória a Deus! Sim! Os milagres trazem glória a Deus. Honrar todos os solas corretamente traz glória a Deus. Sim.
“Todos os sínodos ou concílios [...] podem errar; e muitos erraram. Portanto, não devem ser tomados como regra de fé ou prática, mas como auxílio em ambas” (CFW 31.3).
Ou seja, a própria Confissão diz que não é regra. É ferramenta. E se todos os concílios podem errar, isso inclui ela mesma. Seus autores sabiam disso.
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